o livro

Ferros quentes

A chama da fogueira se eleva em curvas e espirais,
O calor do fogo espalhando em círculos as faíscas.
Dois seres muito humanos, um de um lado, um de outro,
Refletem e absorvem a luz que os aproxima
E os afasta na dança das labaredas.

O céu imenso recolhe a claridade, esconde estrelas,
Só Vênus se mantém no alto, absoluta luz,
Olhando a cena, a dança, o baile dos amores:
De um há muito exauridos, do outro enregelados.

A mesa e os bancos, o vinho aberto e dois copos,
Duas vozes reverberando no espaço escuro/claro,
Claro/escuro, contido em círculo de fogo e aço.
Fogo de fogueira, aço de gestos, palavras, movimentos.

Um ser vê, refletida nas chamas, a menina que foi,
O outro sonha com o brilho de novas celebridades.
A fala entrecruzada se encolhe, se estica e se perde,
Entre fogo, amor, ódio, labaredas de pura dor.

As horas e o céu girando com a Terra, e nós,
Encantadas com as nossas doces humanidades,
Nossos ferros quentes de marcar sentimentos,
Punhais invisíveis recortando peles e ossos.

E assim o fogo mesmo lentamente se consome,
As chamas reduzidas, claro/escuro sem contornos.
Uma voz, um gesto, mãos que não se encontram.
Escuro/escuro, em lugar da serenidade.

Um caminho a seguir, a lembrança de um encanto.
Porteiras que batem, um carro subindo a ladeira.
Vênus ainda espreitando as últimas fagulhas,
Silencio tomando o espaço como garoa fina.

Dois seres estranhos que um dia se acharam,
Retomam o fio de seus pensamentos,
Nos quais se alinham em reta infinita:
Eu, Eu, Eu, – Minha Vida, Minha Vida, Minha Vida.

Grota do Junco, Julho de 2007